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Este país não é para velhxs políticxs


Não estarei longe da verdade ao dizer que a forma como nos envolvemos activamente na sociedade, enquanto cidadãos, é a nossa forma individual de fazermos política. Tradicionalmente, seguir carreira com uma cor partidária e almejar aplicar novas leis e fazer aprovar novos projectos tem sido, porventura, o modelo de participação cívica que, do alto do poder, mais consegue mudar toda uma sociedade.

Assim tem sido, é sabido, mas a balança das estatísticas já não pesa por esse caminho. A Presidência da República patrocinou, recentemente, um estudo 1 demonstrando que 57% dos portugueses entre os 15 e os 24 anos não revelam qualquer interesse na política, número confirmado pelo relatório de 2018 da OCDE 2 que coloca Portugal em primeiro lugar na lista de países europeus em que os jovens mostram esse mesmo desinteresse. Em termos mundiais esse valor não é muito diferente3 , com 52% dos millenials a não se reverem nos sistemas políticos dos seus países.

Portanto, tu, jovem millenial incompreendido, não estás só neste sentimento de descrença, e as razões são várias. A nossa confiança nos governos e representantes tem caído e a nossa afluência às urnas tem diminuído, isto porque têm falhado os resultados nas políticas públicas que mais nos afectam no imediato – o desemprego e a sua precariedade, por exemplo – e aquelas que num futuro muito próximo nos tocarão – os efeitos das alterações climáticas, as desigualdades sociais, o modelo de financiamento do sistema de pensões. Associada à falta de soluções está, também, a diminuição do número de jovens nas cadeiras do poder português. Na Assembleia Constituinte de 1975 eram 38% os deputados com menos de 35 anos, hoje essa percentagem fica-se pelos 14%. Isto não significa, necessariamente, uma falta de representatividade, mas está a incrementar o hiato geracional e a minar a necessária renovação de ideias e políticas públicas direccionadas aos mais novos.

A verdade é que nós jovens, mais ou menos millenials, nascidos e educados num ambiente digital cada vez mais desfasado da velha política de gabinete e de eleições quadrienais, não estamos, de todo, alheados de participação cívica, não estamos à espera que eles façam alguma coisa e não estamos com paciência para esperar que se faça algo. E se tudo isto não te soa a estranho, então acabas de te rever naquilo que são as novas formas de participação cívica.

O Eurobarómetro de 20184 sobre a juventude europeia, para uma população entre os 15 e os 30 anos, indica que estamos a mudar a nossa forma de fazer política, com mais participações de proximidade e menos envolvimento na velha política partidária. Está a aumentar a nossa envolvência em organizações de voluntariado com impacto directo na comunidade local, de defesa e promoção dos direitos humanos, do domínio das alterações climáticas assim como de outras organizações não ligadas a partidos políticos.

Não estou sozinho nesta ideia de que a mudança de políticas, de hábitos e até de economia tem de partir de baixo como exigência nossa, com promoções individuais de cada cidadão num activismo diário de melhoria da sociedade. De nada vale ficarmo-nos pela ideia, buscarmos desculpas pueris de inércia pessoal, quando aquilo que se busca não é um herói para o mundo, mas um cidadão activo na sua pequena comunidade, e isso tem um grande poder.

É inegável que a nossa sociedade está cada vez mais ligada ao mundo online, e com isso, também está a forma como nos relacionamos uns com os outros, como consumimos informação e como discutimos vários temas que nos afectam. Parece-me, portanto, expectável que as abordagens tradicionais de tomada de decisão também comecem a mudar para este plano. Timidamente, os governos já perceberam isso, e em Portugal, desde 2017 decorre anualmente um orçamento participativo jovem, com ideias dos jovens e para os jovens (o deste ano ainda decorre em opjovem.gov.pt).

Aqui ao pé, há o exemplo de André Couto, 36 anos, presidente de Junta de Freguesia de Campolide, que ao perceber o afastamento dos mais jovens na participação cívica e política decidiu tirar um curso de DJ, e ser ele a passar música nas festas e arraiais. Bastando isso, passou a ter uma maior interacção nas suas páginas de Facebook e Instagram com comentários e mensagens vindas do público que ele queria alcançar. Também, às quintas-feiras, faz um vídeo directo via Facebook, em que fala do trabalho que está a ser feito na freguesia e está aberto à participação directa de todos.

Parece ter havido uma mudança, é certo, mas não um desinteresse completo na vida cívica. Tem falhado, isso sim, a passagem da mensagem que a política representativa é necessária ao funcionamento da nossa sociedade democrática.


Este artigo faz parte da edição #1 de 2018-2019 do Diferencial - Jornal dos Estudantes do Instituto Superior Técnico que pode ser lida aqui (.pdf~5MB).