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Pela primeira vez fui à Assembleia da República

foto: Philippe Hässig


Antes de mais, convém dizer que esta é uma visita que recomendo a toda a gente, pela sua iconicidade, mas sobretudo para se ver como se discute um país, nas suas regras e na criação das suas leis.


Fui adiando a visita ao longo dos últimos tempos, mas o mote de votação do Projecto de Lei 879/XIII do PAN - abolição de corridas de touros em Portugal - pareceu-me bastante válido e com cheirinho a debate aceso no plenário. Vou ignorar o facto do projecto de lei ter sido rejeitado, ainda há muito trabalho de casa a ser feito.

Com este breve relato, o que eu quero mesmo é mostrar o que vi e que as câmaras de televisão não mostram (e sim, eu de quando em vez fico a ver o canal parlamento, é bastante instrutivo).

  • As câmaras não mostram o quão bonita é aquela sala, quão simbólica e devidamente restaurada/mantida está.

  • As câmaras não mostram o imenso barulho que os deputados do nosso país fazem enquanto conversam uns com os outros, ora mostrando uma notícia, ora um post do Facebook, ora uma imagem do Instagram. Sim, ficar nas galerias dá uma visão bastante próxima e bastante real destes bastidores em directo.

  • As câmaras não mostram a falta de respeito a quem está a usar da palavra, debatendo alterações à lei laboral, estando os deputados a falar alto uns com os outros, conversando e rindo. Bem sei que muito do trabalho é feito a priori das sessões plenárias, mas o respeito, ou a falta dele roçava o pior pesadelo dum professor cuja turma se rebela face a um pedido de silêncio. Se não fosse o sistema de som da sala confesso que não se ouviria nada do que se discutia na sala mãe do país.

  • As câmaras não mostram os deputados a percorrer o feed do Instagram nos seus telemóveis, enquanto se discutem as carreiras jurídicas.

  • As câmaras não mostram uma ex-ministra da cultura a desentrelaçar o seu cordão de ouro (presumo o material) pedindo ajuda à colega do lado que o levantou ao nível dos olhos; foram uns 15 minutos de desentrelaçanso, enquanto a ministra Van Dunem endereçava ao hemiciclo.

  • As câmaras não mostram aquela deputada do PS que ficou sentada no seu canto a “papar” duas revistas e a utilizar o resto do tempo da sessão a esgotar a bateria do seu telemóvel, pois foram raras as vezes que levantou a cabeça.

Então perguntam, e onde tens fotos comprovativas disso tudo?

Não as tenho. É proibido. Proibido usar telemóvel nas galerias. Usar, tocar, escrever, fotografar. Proibido. Conversar muito alto também é proibido. Bater palmas, expressar de alguma forma verbal ou gestual o que se discute no hemiciclo também é proibido. Faz parte do brevet que o polícia nos dá à entrada da galeria, e cuja presença é constante e visível sempre que alguém eleva o telemóvel com a intenção de fotografar o que quer que seja.

Eu aceito, é justificável, estão pessoas a trabalhar lá em baixo, não faz sentido eu estar cá em cima a tirar fotos e a ver o Facebook ou a relatar via Twitter o evoluir da discussão. Seria uma falta de respeito, lá está. Enfim.

Como curiosidade, fica o comentário do deputado do CDS-PP, Telmo Correia, que creio não passou na televisão, ao deputado do PAN, André Silva, e que, refutando os argumentos da proposta, reza nestes moldes:

“…seria uma cornada inaceitável que o PAN, condenando os portugueses àquilo que é o seu veganismo. Porque se há violência sobre os animais, também há violência nos abates, também há violência na caça. Teríamos todos que adoptar a sua dieta, senhor deputado André Silva? Convertermo-nos todos ao seu veganismo? Não me parece de todo aceitável.”

Telmo Correia, CDS-PP

Senhor deputado, nada tema, não será obrigado a comer tofu ou seitan.

De resto, ide, nem que seja uma única vez, a esta casa onde se discute um país. É instrutivo e divertido.


- A foto que ilustra este artigo é de Philippe Hässig e usada sob uma licença CC BY-NC-ND 2.0.